terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Fragmento da Minha Alma


 A vida dá muita volta, e o que antes pensava ser, hoje já não sou... Eu gosto do que sou hoje, não sou perfeito, não sou feito de diamante, mas sei que tudo que passei, está a iluminar cada vez mais o meu ser, se um dia fui um pedaço de carvão, eu hoje tenho a certeza que começo a ver algo brilhante entre cada célula, entre cada recanto da minha alma.
 Sempre brinquei sozinho, perdido em pensamentos, imaginações, mil e um amigos criados para me alegrarem, pouca atenção tive em determinados momentos em que chorava por colo ou companhia, pois pais separados, um pai ausente, uma mãe que passava a vida a trabalhar... a minha vida passou a ser unida a toda a natureza, naquela pequena aldeia do norte eu vivi cada segundo de todas as brincadeiras de um menino, que adorava bonecas, nunca entendo porque toda a gente levava a mal essa atitude, tão inocente..
  Muitos dizem que nunca esquecerão a primária, e tudo de bom que se lá passou... eu nunca o esquecerei também, mas porque desde a primária até ao 9º ano, eu fui sempre o rotulado (paneleiro, maricas, gay, homossexual, lixo, o doente), mesmo nunca ter manifestado o quer que fosse perante os meus colegas, nenhuma evidência, mas eles fizeram de tudo para me deitar ainda mais abaixo, apontar, agredir verbalmente, até me lembro de certa vez fisicamente e atirar coisas faziam, nunca me mantive cabisbaixo perante tais atitudes, mas também não me sentia feliz, uma vida que era caracterizada por uma luta diária...
  Longe da terra natal, do meu pai, da minha avó, a viver numa casa onde o meu padrasto maltratava a minha mãe e a mim, dia após dia passado em agonia... era inevitável, arrependo-me e não me orgulho de nada do que tentei fazer... três tentativas de suícidio, por duas vezes tentei me atirar de uma varanda e uma outra tentei cravar uma faca no peito, medieval? sim eu sei... estúpido? muito... mas no momento da dor e dos problemas a morte pode parecer o caminho mais fácil, principalmente para um rapaz de 14 anos.
  Lutei e ultrapassei cada dia, cada guerra, com lágrimas nos olhos, mas sempre com força... Cheguei ao secundário, decidi começar tudo do zero, aceitar quem era, assumir a pessoa que era, ver quem realmente eu era, conhecer-me melhor, talvez tenha sido a minha melhor fase, sentia-me forte e capaz de fazer tudo que quisesse, não existiam limites para mim, eu começava a aprender a ser feliz.
  Assumi aos meus pais a minha opção sexual, disse-lhes quem era, o que era, o que queria e não queria, tive muita sorte, a minha mãe aceitou muito bem, já o meu pai não, sei que ele chorou, não á minha frente, eu sei que sim, mas o que me vem alegrando de dia para dia é que vejo que ele começa a aceitar cada vez mais como eu sou. Tudo era parecia bom, até que conheci uma pessoa que me prometeu o mundo, a lua, o sol, as estrelas, disse que acabando o curso iriamos viver juntos, ser felizes... mas tão sonhador e inocente caí em mais ratoeiras, descobri-o no mesmo hotel onde um dia me levou no dia dos namorados, com outro rapaz, esse não era o primeiro nem o ultimo de uma grande lista... partiu cada pedaço do meu coração... Ele bateu-me e mandou-me para o hospital a sangrar, tanto fisicamente como na alma... mais uma tentativa de suicídio, engolir uma mistura de comprimidos, sentado num banco da igreja... mas pensei bem, e fui mais forte, acabei por deixar lá os comprimidos e sai envergonhado por tal atitude.
  Consegui aos poucos voltar a viver, voltar a respirar... mas não estava preparado ainda... conheci novamente uma pessoa, que mesmo vivendo longe mais uma vez me prometeu fazer feliz, mesmo eu sentindo que o meu lugar não era perto dele... eu tentei começar algo sério, mas não foi possível... lembro-me bem, naquela tarde de verão, estava com ele em casa, agarrou-me com toda a força e... muitos falam que apenas somos violados porque queremos, nem sempre é assim.. eu namorava com ele e mesmo assim eu conseguiu destruir o pouco que havia... os gritos mudos que ele insistia em tapar, vindos da minha boca, a dor, o nojo, o medo... em seguida fugi, só me lembro de lembro do calor das lágrimas que batiam na minha face, quatro horas de viagem de autocarro, com febre, sentia o meu corpo a arder, sangue nas calças, tentava disfarçar, mas a dor era maior que tudo naquele momento...
  Mas o verão não podia acabar pior... o meu primo, aquele que eu mais era ligado, meu amigo, confidente desde pequeno... foi logo de manhã, recebi a chamada "Filipe... o Tiago estava no acidente, ele morreu...", foram as palavras que ficaram tatuadas nos meus ouvidos, chorei, perdi mais um bocado de mim...
 
  A vida voltou mais uma vez a refazer-se, depois de uma batalha, onde ferido só o meu coração, eu comecei uma nova etapa, onde até hoje lidero a minha própria vida, as minhas vontades e desejos... se tenho medos? ainda muitos, mas eu não penso neles, penso nas alegrias... nas coisas boas que tenho que retirar da vida, ler o passado e ver o que tiro dali.
  Hoje sei o que quero, sei pensar calado e por mim, penso na minha felicidade, no meu sorriso, no meu futuro. Como disse antes, começo a ver brilho no meio do carvão...

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